O que é dor crônica?
Dor. Física, na alma, na consciência, dor de cotovelo. Seja qual for, dói. Em alguns doem muito, outros só um pouquinho e tem os que convivem com ela. Faço...

Dor. Física, na alma, na consciência, dor de cotovelo. Seja qual for, dói. Em alguns doem muito, outros só um pouquinho e tem os que convivem com ela. Faço parte desse último grupo, os da convivência. Sim, eu sei. Como assim convivo com a dor? Pois bem. É estranho, mas eu e muitas pessoas convivemos com a chamada dor crônica. Das vinte e quatro horas de um dia, sentimos dor a cada segundo, a cada minuto. Você não consegue mensurar isso. Assim como eu não sei o nível de dor da sua encravada, aquela dor de cabeça pós uma noite na balada, não imagino o quanto suas cólicas doem. Afinal, cada um tem um tipo de sensibilidade pra lidar com a dor. Nós, pacientes diagnosticados com dor crônica, sabemos respeitar a dor alheia, mas nem sempre somos respeitados quanto as nossas. Um dos maiores impedimentos para entender, respeitar a dor alheia, é não acreditar na intensidade relatada pelo “dolorido”. Nesse minuto enquanto você me honra com sua presença aqui no “Mão na Roda”, eu estou sentindo dor até no meu cabelo. Você já fraturou algum membro do seu corpo? Se sim, com certeza sabe o quanto dói. Se você faz parte dos que não quebraram nadinha, fique feliz, pois dói bastante. Creio que se passaram vinte segundos que você leu a frase “nesse minuto enquanto me honra com sua presença”...Pois bem, novamente lhe informo que estou com dor, algumas dores especificamente mais intensas, pois estou com 12 fraturas esparramadas pelo meu corpo, incluindo perna, fêmur, braço, mão, coluna... Sinceramente pra mim só dói. Não sinto quando quebro. Meu cérebro já acostumou com o choque inicial ou de alerta da dor. Dói tudo, o tempo todo e eu preciso encontrar uma maneira para quem está a minha volta entender o quanto dói. Nos últimos anos, a medicina desenvolveu medicamentos, técnicas cirúrgicas e tecnologias menos invasivas pra amenizarem nossa convivência com a dor, contudo, amenizar e curar tem significados diferentes. Obviamente que todo esse pacote de “soluções” deve estar em sintonia com psicoterapias e terapias complementares. Mas nem todos os pacientes são privilegiados com a aquisição ou acompanhamentos adequados. Os médicos descrevem uma série de sintomas e efeitos da dor crônica. Contudo os efeitos na vida social, profissional, acadêmica do paciente só pode ser explicado por nós os “Joãos e Marias das Dores”, por exemplo, é horrível optarmos em não agendarmos compromissos com muita antecedência, afinal não controlamos a intensidade das dores. Tem dias que tocamos a vida, mas há dias que só queremos ficar quietinhos, encolhidos sem fazer nenhum movimento, pois a dor que já é frequente decide ficar latente. Lidar com o descrédito de quem nos rodeia é uma coisa complicada. A negligência médica é a maior vilã que enfrentamos, pois os profissionais da saúde deveriam ser os seres humanos que não poderiam duvidar da dor relatada. Alguns médicos receitam de imediato, medicações que causarão dependência sem ao menos pedirem exames e afins pra entenderem até que ponto, a dor é psicológica, cognitiva, sensorial etc. Outros acreditam e diagnosticam como “vai passar”, “não dói assim”, “é exagero”, “manha”, “você precisa esquecer e focar em outra coisa”. Não estou dizendo que nós, pacientes com dor crônica, devemos viver num mar de lamúria e “ai que dor”. Não mesmo. Devemos trabalhar, estudar, viajar, viver. Com dor sim, vivo e ativo também. Queremos respeito e compreensão. Eu já usei morfina, infelizmente pra o meu caso não resolve mais. Tentei terapias e outras medicações, não consegui eficácia. Hoje? Bom, hoje eu tomo todas as minhas medicações normais, sigo uma rotina de procedimentos e quando estou muito estressado por causa da latência da dor, informo aos que convivem comigo que não estranhem meu silêncio, pois preciso ficar quieto, assisto séries, leio um bom artigo, livro, ouço música e tomo um bom vinho. Se resolve? Não. Mas permito-me viver mais um dia dolorido. Mesmo que discretamente ou isoladamente no meu quarto, por opção, do que piorar meu emocional com a incompreensão alheia. Minha mãe, irmãos, amigos, os profissionais que trabalham na minha casa não podem amenizar minhas dores. Eu não posso. O remédio que deu certo pra fulano, cicrano ou pra você, não ameniza o que sinto. Mas felizmente sou privilegiado como uma minoria, pois todos na minha casa sejam da família ou não, respeitam o meu momento. Deixam-me brigar com o meu pior inimigo, eu mesmo. Infelizmente dores difusas se irradiam de vários pontos-gatilho por todo o corpo. A OMS (Organização Mundial de Saúde) fez um cálculo e chegou ao resultado que 40 milhões de brasileiros que sofrem de dor crônica. Eu, Túlio Mendhes, seu blogueiro favorito, acredito sem nenhuma pesquisa que 70% dessas pessoas não recebem tratamento adequado. Com base na minha vivência, creio que desses 40 milhões de pacientes, 100% não conseguem convencer fielmente um parente, amigo, funcionário sobre o seu real nível de dor. Minha família respeita, cuida, entende, mas não tem ideia o que realmente faz parte do meu corpo, emocional. Você meu querido leitor, se imagine na seguinte cena: Sua cozinha, fogão aceso fervendo á água do seu primeiro café do dia. Você afobado pra sair de casa na hora certa. De costas pra o fogão, arrumando algo ou apressando alguém, se vira de uma vez e esbarra na alça da panela que derrama toda a água em suas pernas. - CARAAAAMBA... (e mais algumas palavras pronunciadas por você, que se falasse isso perto da minha mãe, ela diria que precisa lavar sua boca com sabão – coisa de mãe. “Sacumé”) Certamente você está sentindo muita, muita dor. Ainda mais que o tempo está frio e você acabou de acordar, ou seja, com o sensorial mais aflorado. A dor está sendo captada por cada terminação nervosa sensorial da sua pele, percorrendo um intrincado caminho até o seu cérebro que não pensa em palavras bonitas nessa situação. Seu cognitivo interpretou todo aquele ardor como uma grave ameaça ao seu corpo. Esse processo é chamado de nocicepção. Mas Túlio, o que significa nocicepção? Funciona assim, os terminais sensoriais detectam um estímulo agressivo, como a fervura da água, transformando-a em impulsos elétricos que são levados até a sua medula, onde há interneurônios, ou neurônios de associação que modulam a transmissão do estímulo, ou seja, determinam, a intensidade do sinal doloroso que será enviado para o seu cérebro, onde áreas relacionadas à dor serão acionadas, como o tálamo e o córtex, envolvidos na percepção de sensação. Resumindo, dói para “dedéu” e só você sabe o quanto, afinal as pernas queimadas são as suas. Com um socorro adequado e medicações, suas pernas sentirão alívio com o passar dos dias. Cicatrizes? Talvez. Mas sem dor. Com certeza você sentirá um frio na espinha quando esbarrar numa panela novamente, contudo ficará mais atento pra não passar novamente por aquele processo dolorido. Entretanto, a dor crônica que eu e milhões de pessoas sentimos, a resposta neural à dor persiste mesmo quando a causa inicial é tratada. Considerada um fenômeno de má adaptação, ela pode ocorrer por deficiência tanto do mecanismo de percepção como o de inibição da propagação do impulso elétrico doloroso: diante de sinais gerados repetidamente, os circuitos neurológicos podem se alterar quimicamente, tornando-se mais sensíveis aos estímulos de dor ou mais resistentes ao sistema inibitório. Há várias teorias sobre o funcionamento da dor crônica, mas a ciência ainda não consegue explicar por que ela surge. A dor crônica não é um prolongamento da aguda. Especialistas afirmam que os dois tipos são muito diferentes – enquanto a dor aguda que você sentiu quando queimou é uma espécie de alarme que acabará quando o problema for resolvido. A dor crônica é mais intensa, pois os nossos processos neuroquímicos da memória funcionam exatamente como uma "recordação dolorosa" “tatuada” no organismo e acessada periodicamente. Você sabe que não é nada fácil apagar uma tatuagem. De duas, uma, você faz outra tattoo em cima, ou gasta muito dinheiro e sessões pra apagar o desenho, frase, mas mesmo assim você sabe que debaixo daquela “falsa pele” tem um desenho. - “AH TÚLIO, ENTÃO NÃO EXISTE REMÉDIO PRA ESSE TIPO DE DOR?” Sinceramente se você está se fazendo essa pergunta, volte lá na primeira linha dessa postagem, respire fundo e seja um pouquinho altruísta ao ler tudo de novo. Quero salientar aqui que a nossa predisposição emocional ajuda amenizar ou intensificar a dor – nos meus dias de “bad” sinto muito mais dor. Quando estou melancólico, a dor fica numa frequência absurda, sem estar latente, fica fixa como um apito sem parar. Contudo nos dias que não perco o controle das minhas emoções e mantenho-me bem humorado, piadista achando que comi “palhacitos” no café da manhã, a dor fica aqui quieta, ali tatuada por todo o corpo, mas... A melhor cura pra esse diagnóstico é o RESPEITO. Mais uma vez reafirmo que é difícil descrever a percepção dolorosa, pois ela está associada a características orgânicas de cada corpo, à história pessoal e ao contexto no qual é vivenciada. A Associação Internacional para Estudo da Dor (IASP, na sigla em inglês), define dor como uma "experiência sensorial ou emocional desagradável, associada a um dano ou descrita em termos dele". Essa natureza subjetiva explica por que cada pessoa responde de maneira diferente à dor. "O trajeto neural percorrido pela informação do estímulo doloroso passa por áreas cerebrais associadas ao sistema límbico, às emoções. Assim, a sensação dolorosa não é uniforme, mas muito pessoal. Ela é influenciada pelo estado emocional, por experiências vividas e valores culturais", diz o reumatologista Roberto Heyman, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), presidente do Comitê de Dor e Fibromialgia da Sociedade Brasileira de Reumatologia. E aí, doeu ler esse texto? Concordo, muito grande, mas não cheguei a 0,00000001% do real significado da dor crônica. Porém ficarei infinitamente feliz ao saber que você não vai julgar a dor alheia. Respeite, dê um tempo, respeite novamente e toque o barco, com dor ou não, precisamos continuar vivendo.